COMEÇOU ASSIM EM 1954.
Pedro Paulo Matarazzo era misantropo,
pelo menos foi o que ele me confidenciou. Nos fins de semana em que vinha para
o Guarujá, na década de setenta e início da de oitenta, passávamos algum tempo
conversando. Inteligente, de origem no mezzo
giorno peninsular, conhecia as mazelas humanas. Certa ocasião criticou uma
família com origem no oriente próximo que tinha casa na Enseada porque
festejava com champanhe francês e fazia questão de colocar nos jornais para que
todos vissem. Disse ele: podemos gozar o dinheiro que ganhamos, mas não devemos
esquecer que muitos vivem na miséria. Dizia também que desde que teve a idéia
de fazer o loteamento era obrigado a sustentar a corrupção, caso contrário as
coisas não andavam, isto é, desde 1954! Contou-me os detalhes, o que contribuiu
para que eu engrossasse a turma dos misantropos.
O projeto do loteamento
Jardim Virginia não tem similar em toda Enseada, quiçá no Guarujá, em termos
técnicos de plano urbanístico e de saneamento. Foi o projeto de drenagem mais
perfeito e honesto que já tive conhecimento pela complexidade, uma vez que a
região era toda inundada, porque a drenagem natural dependia do escoamento do
rio do Peixe, que deságua no Perequê, a seis quilômetros de distância e,
principalmente, pelos rios Bonet e das Pitas, ambos com meandros naturais e
completamente assoreados por ter seu curso em leito de areia.
Quando a distribuição de água
potável era incipiente nas Pitangueiras, o Jardim Virgínia dispunha de
distribuição domiciliar de água mineral (mandada analisar pelo Dr. Osvaldo
Cruz, morador) proveniente da serra ao lado da pedreira. Ali foi construída uma
captação de água oriunda das nascentes a montante, a qual eu, muitas vezes,
vistoriei para me certificar das condições sanitárias. Uma adutora de mais do
que três quilômetros, feita em tubos de ferro fundido de cinco polegadas,
trazia água potável até a avenida em frente ao mar. Na Avenida Paulo Matarazzo,
próximo à Rua Acre, o loteador fez um enorme chafariz, artístico, onde saía o
excesso da água não consumida. O chafariz começou a ser destruído no governo
municipal em 1980/81. Os outros governos incumbiram-se de destruir o restante.
Lamentável. Infelizmente gente de poucos atributos intelectuais que não
conseguem entender o que seja arte. Muito menos entendem que devemos preservar a
história de nossa arquitetura.
Chafariz Av. Paulo Matarazzo, final, Captação água
1974
Durante o governo dos militares, que não foi uma ditadura
porque esta preconcebe sempre um só mandatário que fica no Poder muitos anos,
iniciamos uma segunda etapa do loteamento. Entretanto, foi uma época de muita
estatização e também corrupção nos escalões inferiores. É dificil fiscalizar
quando se trata de um povo corrupto pela própria natureza. Sei lá.
Nessa época o Conde Pedro Paulo Matarazzo estava com um
grande problema. Havia aprovado na PMG um enorme loteamento em quase toda a
área restante de sua propriedade no Jardim Virgínia. Milhares de lotes que tinham
que pagar IPTU. Nada se vendia na época e, além disso, o loteamento fora
aprovado, como a maioria dos loteamentos da Enseada, sem um projeto de drenagem factível. Sob esse
aspecto seria um loteamento de dificil realização pela impossibilidade de retirar
as águas pluviais que se acumulam em chuvas de prazos de recorrência maiores.
O SONHO A REALIDADE ( áreas aproximadas)
Os canais de drenagem foram
objeto de projetos à semelhança daqueles feitos em Santos pelo sanitarista
Saturnino de Brito. A idéia sempre foi seguir a excelência que caracterizou o loteamento
iniciado em 1954, sem comparação possível com outros loteamentos nas imediações,
à exceção do Portal do Guarujá e Granville. Assim é que o projeto da Av. Braúna
prevê um canal que substitui o antigo rio Bonet a fim de dar vazão às águas.
A drenagem que a natureza
realizou durante os últimos 15.000 anos, sempre pelo caminho de menor distância
do mar, era feita através dos rios Bonet e Pitas. O canal que substituiu o Rio
do Peixe, feito na década de 80 retirando-o de seu leito natural e colocando-o
para fluir em leito arenoso, certamente cobrará pedágio de nossos descendentes.
Aliás, isso acontece em quase todas as cidades brasileiras onde as enchentes,
corriqueiras, são sempre atribuídas a São Pedro. Não se sabe a quem atribuir esses
erros de projeto, se a nossas escolas de engenharia ou as universidades da
corrupção.
Em 1982 a morte do loteador
mostrou que os Poderes Públicos não estão à altura de responder por uma administração
coerente e racional para tomar providência tempestiva e necessária. Debito à
todos eles o ocorrido com a urbanização equivocada ocorrida na área do Jardim
Virgínia, Guarujá, isto é as invasões e realização de loteamentos ao arrepio
das leis.
A Firenze Construtora, impotente para resolver
os problemas que se desenrolavam morosamente no Judiciário, aguardou três anos,
de 1982 a 1985, amargando prejuízos, quando optou por um acordo para não perder
mais dinheiro, recebendo como pagamento de seus serviços lotes em loteamento
inacabado, O QUAL DEVERIA
SER TERMINADO PELOS LEGATÁRIOS DO LOTEADOR DEFUNTO, PORÉM ATÉ HOJE NÃO FOI
FEITO. Esse pagamento, com certeza, não cobriu o total do crédito pois
não levou em consideração lucros cessantes e expectativa de lucro com o
cemitério, cujas despesas do projeto foram custeadas totalmente pela
Construtora Firenze. Além disso, a falta de uma documentação perfeita
dos lotes desvalorizou o pagamento feito à Firenze pelos legatários do loteador
Matarazzo.
Foram mantidas no local nesses
três anos uma moto-niveladora, duas retro-escavadeiras, uma AD7B, uma W20 e uma
W7, alem da infra-estrutura, ferramentas e pessoal para a manutenção dessas máquinas
e também o escritório de vendas!
O restante da história está na
primeira postagem deste blog e sucessivas. E abaixo é a finalização do sonho de
fazer o Guarujá um pouco melhor.
As escolas atuais estão realmente ensinando o que?
O Brasil atravessa uma fase de incompetência generalizada dos
poderes que o administram, o que é uma pena porque poderia ser um país mais
bonito e civilizado. Obras de urbanização, particulares ou públicas, não podem
deixar de ter continuidade mercê da morosidade das providências legais. A
consequência trágica é a favelização das
cidades, a falta de saneamento, além de litigância com mortes, sempre sem
punição.
São trinta e cinco anos que o loteamento espera dos poderes
competentes alguma solução racional e é a primeira vez que vemos um secretário
municipal participar e interessar-se pela solução do problema Jardim Virginia e
isso já é meio caminho andado. Desejo ao Arquiteto Marçal muita coragem para enfrentar esse problema
que ele conhece bem.
Ainda que tenha sido
declarado na reunião, da foto anexa, que o pagamento feito à Firenze será
honrado, conforme já havia sido declarado pela Tera, sucessora do loteador, no
jornal A Tribuna em 18 de fevereiro de 2012, sobejam ainda outros problemas
tais como a área destinada a jardins e edificios públicos, e a obrigatoriedade
de fazer as obras de infraestrutura.
Este ano faço oitenta anos e me despeço, pessimista, no que
tange a ver plenamente realizado o sonho um dia sonhado.
Apesar de haver tanta gente honesta e inteligente, nosso país
caminha à matroca na mão de algumas centenas de bandidos. Lamentável. Salve-se
quem puder. Di Petta março/2017
Infelizmente nosso bairro está esquecido pelo poder público.
ResponderExcluirPorque o nome Virginia para o Jardim Virginia gostRia de saber?
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