(PUBLICADO NO JORNAL CIDADE DE GUARUJÁ Nº 59)
Otto
Cyrilo Lehmann, advogado e senador falecido em 2010, assistiu a explosão
demográfica das cidades brasileiras no pós-guerra. Na periferia das grandes
urbes se multiplicavam os loteamentos para suprir a demanda por terrenos,
entretanto a regulamentação de 1937 não protegia os compradores. Por outro lado
a corrupção, já existente, dos órgãos públicos envolvidos na regulamentação e
fiscalização dos loteamentos, trazia como conseqüência uma urbanização carente
de continuidade pela interrupção de ruas e avenidas. A falta absoluta de áreas
de lazer, a ausência de projetos honestos de recolhimento de águas pluviais e
outras tantas irregularidades mostravam, de maneira patética, uma urbanização
equivocada e sem controle.
Lehmann,
sensível a esses problemas, batalhou
para que o país tivesse uma legislação mais forte que, a um só tempo,
protegesse os compradores de lotes e patrocinasse um desenvolvimento mais
civilizado para as cidades brasileiras. Não me cabe discutir aqui os pecadilhos
da lei, mas mostrar que foi, de fato, um avanço que visou essencialmente
impedir que loteadores abandonassem seus empreendimentos deixando para as
prefeituras as despesas de execução das obras de infra-estrutura como aconteceu
com o Jardim Virginia, em Guarujá.
O
senador, meu contemporâneo, idealizou que a urbanização de uma área não poderia
sofrer solução de continuidade. Isso porque prejudicaria os compradores de
lotes e a própria cidade no que diz respeito à seqüência de vias transitáveis e
problemas de drenagem, enfim de toda a infra-estrutura que deve fazer parte do
contexto maior da malha urbana. A idéia do legislador preconcebia a intervenção
tempestiva na urbanização abandonada. Infelizmente ele não foi entendido e as
intervenções dos poderes públicos nestes casos mostram, através de inumeráveis
processos, uma lentidão irritante e que, ao final, na maioria das vezes, não
atingem ao fim colimado pela lei. É lamentável por que, no frigir dos ovos,
beneficia os loteamentos clandestinos e patrocina o aumento das favelas em
todas as cidades brasileiras.
Temos
aqui em Guarujá um exemplo da inércia dos entes públicos relativamente ao
descumprimento da lei Lehmann e a funesta conseqüência que culminou com o
assassinato de duas criaturas. O Jardim Virginia II e III foram regularmente
aprovados em 1974 e 1981. Após a morte do loteador, os legatários e a
usufrutuária abandonaram as obras e os procedimentos legais para o registro, causando
prejuízo para os compradores e cessionários. Aconteceu, portanto, tudo o que o
advogado e senador, autor da lei de regulamentação dos loteamentos, desejou
evitar.
Sem
uma força legal coercitiva que obrigasse os responsáveis a seguir os trabalhos
da implantação das obras, elas foram abandonadas, bem como toda a área
remanescente que, por isso, foi totalmente invadida. No local do cemitério que
seria construído em uma cidade que enterra seus mortos nas paredes, agora
existe um loteamento clandestino. Ao invés de realizar o sonho de construirmos
um parque florestal em uma cidade desprovida de espaços verdes, temos a enorme
favela Cantagalo. É por esse caminho que anda a civilização brasileira. Lamentável.
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